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    A voz poética de Ruy Mingas

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    A intensa musicalidade no interior da família, a herança dos nobres ensinamentos do tio, o carismático Liceu Vieira Dias, e o recurso à poesia de intervenção, absorvida, fundamentalmente, nas tertúlias com escritores nacionalistas da Casa dos Estudantes do Império, constituem aspectos de natureza sociológica, que explicam o processo de formação da personalidade artística de Ruy Mingas.


    Autor de uma obra intemporal, pela magnitude artística e pertinência textual, verdadeiro ícone da música de intervenção, e arauto da renovação estética da Música Popular Angolana, Ruy Mingas sempre revelou um talento natural, tendência que foi estimulada pela paixão pela música, herdada da sua mãe e dos avós, Zé e Guinhas, que tocavam, respectivamente, concertina e dikanza. 


    Motivaram ainda o processo de criação musical de Ruy Mingas, a influência do cancioneiro tradicional luandense, estilizado na obra do conjunto Ngola Ritmos, a audição dos clássicos da Música Popular Brasileira e da soul music norte-americana, igualmente uma herança de Liceu Vieira Dias, aspectos culturais que o cantor soube aliar a uma constante preocupação de natureza política.

    Os primórdios da carreira

    Distante dos palcos mas muito próximo da música, Rui Alberto Vieira Dias Rodrigues Mingas, nasceu no dia 12 de Maio de 1939, em Luanda, e a tia, Sinclética Torres Vieira Dias, tocava piano. Filho de André Rodrigues Mingas e de Antónia Diniz do Aniceto Vieira Dias Mingas, Ruy Mingas chegou pela primeira vez, em Setembro de 1958, a Portugal, na condição de estudante e atleta do Benfica, na categoria de salto em altura, dos 110 metros, tendo sido o primeiro angolano a bater o recorde na modalidade, no Estádio dos Coqueiros, em 1957.
    Na auge da juventude, Ruy Mingas viveu as transformações políticas da sua época, consubstanciadas na curiosidade e informação sobre o desenvolvimento da acção dos movimentos de libertação em África, sobretudo nas colónias portuguesas, constituindo a prática musical um antídoto contra a nostalgia, ocasionada pelo distanciamento do seu povo e pelo romantismo que provocava a saudade da sua terra.

    Casa dos Estudantes do Império

    Seis meses depois de ter chegado a Portugal, recebe a notícia da prisão do seu pai, acusado no célebre Processo dos 50, facto que o abalou psicologicamente, criando o duplo conflito de viver em Lisboa, capital do colonialismo, e de sofrer, no seio familiar, as agruras da repressão. 
    Na Casa dos Estudantes do Império, conheceu e conviveu com importantes figuras da luta de libertação: Agostinho Neto, Paulo Jorge, Amílcar Cabral, Carlos Everdosa, Mário Matchungo, Henrique Abranches e Joaquim Chissano.
    No entanto, é com Gentil Viana que Ruy Mingas toma contacto com os primeiros textos da angolanidade literária da época, e inicia a sua tentativa de criar melodias sobre textos poéticos. É assim que surge a sua primeira criação melódica, sobre o texto “Muimbu uá sabalu”, de Mário Pinto de Andrade, iniciando um exercício que diz elaborar com acentuada facilidade. 
    Numa das sessões de convívio, na Casa dos Estudantes do Império, encantou os nacionalistas Agostinho Neto e Joaquim Chissano que, visivelmente emocionados, o aplaudiram de pé, quando interpretava o tema, “Monetu uá kassule”, a sua primeira canção cantada para um público restrito. 
    As melodias de Ruy Mingas, criadas sobre textos de consagrados poetas angolanos, e a sua entrega a nível de interpretação e timbre vocal, reflectiam a distância que separava o cantor da sua terra natal em canções como: “Ixi iami” (minha terra), “Minha Infância” e “Cantiga para Luciana”, temas do seu primeiro single, gravado pela etiqueta Zip zip, em 1968.

    O conjunto Ngola Kizomba

    Na senda da necessidade de afirmação cultural da angolanidade pela música, surge, em 1961, o conjunto Ngola Kizomba, uma formação musical da Casa dos Estudantes do Império, que integrava Ruy Mingas (voz e violão), Augusto Lopes Teixeira (Tutu), no violão, Tomás Medeiros (percussão), Katiana (voz), Jorge Hurst (Dikanza), e Augusto Heineken (Pestana), na voz. 
    O Ngola Kizomba que, anos depois, acabou por ser silenciado pela PIDE, era formado, maioritariamente, por angolanos, exceptuando o Tomás Medeiros, de nacionalidade são-tomense, que dizia estar possuído pela alma artística angolana.

    Música e nacionalismo

    Julgamos que, em Ruy Mingas, a componente nacionalista consubstanciada na luta pela emancipação política de Angola, que compreende o envolvimento com importantes figuras dos movimentos de esquerda, tais como José Afonso, Padre Fanhais, Adriano Correia de Oliveira e Fausto, não deve ser separada do seu processo de criação musical. Entendemos que a tomada de consciência política terá sido consequência directa da valorização da cultura angolana, em situação colonial. 
    Ruy Mingas foi preso, em 1962, por subversão, e enviado para a Guiné-Bissau, onde permaneceu durante 19 meses. Em situação de reclusão, cantou para os soldados e foi liberto. “Este homem não pode estar preso”, disse o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, estacionadas na Guiné-Bissau.

    O contacto com o violão

    Embora influenciado pela música de Carlos Argentino, Dorival Caymi, Sílvio Caldas e Ângela Maria, a presença do tio Liceu Vieira Dias, que chegou a viver com a mulher em casa dos pais e dos avós de Ruy Mingas, foi de suma importância nas tertúlias e nos debates sobre o valor patrimonial do cancioneiro luandense, facto que propiciou o surgimento de um ambiente natural para a aprendizagem do violão, numa época de intensa audição das novidades discográficas de música estrangeira, trazidas pelos marítimos angolanos.
    “O Tio Liceu, recorda Ruy Mingas, era uma personalidade que cantava canções em inglês e tocava piano, um fenómeno raríssimo na época, sobretudo por ser negro, e era uma individualidade muito querida na Liga Nacional Africana. Eu e o meu primo Morgado, o França Van-Dúnem, aprendemos os primeiros acordes de violão com o tio Liceu, muito embora tenha desenvolvido em Lisboa o meu processo de aprendizagem com o Gentil Viana”.

    Ruy Mingas no cinema

    Ruy Mingas é um dos protagonistas do filme “O Ritmo do Ngola Ritmos” (1978), uma longa metragem do realizador angolano António Ole, sobre a memória de um tempo, mais precisamente do início da luta, no princípio da década de 50, e do papel desempenhado pelos elementos do Ngola Ritmos. António Ole aborda, neste filme, a questão da luta clandestina, a consciencialização política e delineação de uma nova Música Popular Angolana. Para além de depoimentos da importância e da história do grupo, Ruy Mingas aparece ao lado dos históricos do Ngola Ritmos, Liceu Vieira Dias, Nino Ndongo, José Maria, Amadeu Amorim, Xodó, Euclides Fontes Pereira e do escritor Luandino Vieira, interpretando, dentre outras canções, o clássico “Makezu”, um tema baseado no poema homónimo de Mário António Fernandes de Oliveira e música de Ruy Mingas.

    Discografia

    Ruy Mingas cultivou uma estética de criação musical permeável à fusão de ritmos angolanos, com a expressão das suas mais directas influências. Daí que não seja excessivo afirmar que está registado na história da Música Popular Angolana, como um dos primeiros intérpretes que aproximou, com assinalável êxito, a sua musicalidade aos clássicos da literatura angolana.


    Os encontros de Ruy Mingas, em 1966, com Pedro Osório, Carlos Mendes, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho, dos Sheiks, no Café Branco e Negro, na Avenida de Roma, em Lisboa, e, fundamentalmente, com o acordeonista e baixista Thilo Krasman, marcaram o início das gravações discográficas com as canções: “Ixi iami” (minha terra), “Minha infância” e a lindíssima “Canção para Luciana”, da qual transcrevemos os versos integrais: Manhã, no tempo de um cantor/ cansado de esperar, só/ Foi tanto tempo que nasceu/ nas tardes tão vazias/ por onde andei/ Luciana, Luciana/ sorriso de menina / dos olhos de mar/ Luciana, Luciana/ abraça esta cantiga/ por onde passar/ lá, lá, lá, lá, lá…./ Nasceu na paz de um beija-flor/ em verso/ em voz de amor, já/ Desconta os olhos da manhã/ pedaços de uma vida/ que abriu-se em flor, Luciana/ Luciana (refrão)… 


    Em 1968, surgem os singles com as canções: “Muadiakimi”, de Barceló de Carvalho e Alberto Teta Lando, “Mona ami Kibala”, de Tonito, “Mona ki ngi xiça”, de Barceló de Carvalho, “Birin Birin”, “Nga kuambela Kiá”, “Diá ngo ué”, “Colonial”, “Palamé”, e “Muxima, canções inspiradas na tradição musical do Ngola Ritmos, reunidas, em 1994, depois da independência, no CD “Angola por Ruy Mingas com “Monangambé”, um poema de António Jacinto, e outras canções angolanas.


    Em 1973, grava, sob direcção musical de Thilo Krasman, as canções: “Makesu”, “Ngidifangana”, “Morro da Maianga”, “Hoji iafu” e “Poema da Farra”, sobre um conjunto de textos da autoria do poeta Mário António Fernandes de Oliveira. São deste mesmo ano as canções: “Pango dia Penhi, de Prata, “Mamã terra”, de Onésimo Silveira, “Quem tá gemendo”, de Solano Trindade, “Suzana”, de Belita Palma, “Muimbo uá Sabalo”, de Mário Pinto de Andrade, “Hoola Hoop”, uma recolha do cancioneiro popular, “Marimbondo uá ngi lu mata”, de António Pascoal Fortunato, Tonito, Apolo 12, de Belita e Rosita Palma, e “Adeus à hora da largada”, de Agostinho Neto, acompanhado por Marcus Resende (piano), Daniel Louis (bateria), José Massano Júnior (percussão), Luísa Gonçalves, Júlia Mingas, Carlos Vieira Dias e André Mingas (coros), com Ruy Mingas e Carlitos Vieira Dias, nas guitarras. Estas canções foram reunidas num CD editado pela Srauss, em 1995, com o título “Ruy Mingas”.

     

    Fonte: jornal de angola 

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