– Bem (Melissa limpou as lágrimas e prosseguiu) – Durante cerca de uma semana e meia andei com estranhos sintomas que me levaram ao médico pois já não me aguentava. Cheguei a pensar durante todo esse tempo que só podiam ser sintomas de uma doença venérea tendo em conta que a agressão sexual foi sem protecção. O médico que me atendeu era simpático e transmitiu-me confiança. Falei-lhe do meu mal-estar e fui submetida a algumas análises. Enquanto aguardava pelos resultados o medo, ansiedade e desespero tomavam conta de mim.Após alguns minutos fui novamente chamada. O médico olhou-me nos olhos e sem rodeios disse:
– Melissa, está tudo bem contigo! Não estas doente, estas grávida! Parabéns.
– Senti que o céu desabava por cima de mim. Fiquei sem ar, chorei convulsivamente e gritei que não era possível. O médico acalmou-me e deu-me água. Ofereceu-se para conversar com ele e me abrir pois nunca tinha visto uma reacção parecida. Não quis ficar, agradeci e disse-lhe que voltava outro dia.
Saí e fui logo para casa. Foram dias difíceis e vocês devem se estar a questionar: E os meus pais? Meus irmãos? Bem…nenhum deles sabia o que se estava a passar. Só me achavam estranha ultimamente mas eu tinha uma vergonha enorme em contar o sucedido. As minhas amigas, nunca mais as contactaram e sequer quis saber. Decidi então que já não mais podia viver assim e dirigi-me ao Gabinete da Mulher e Criança vítimas de violência. Fui atendida, e me abri por completo com a senhora que ali estava. Fiquei duas horas a falar. Pensei em aborto, mas antes fui fazer o teste de HIV. Quando abri o envelope fiquei surpresa pois o resultado era negativo. Não acreditei mas fiquei mais aliviada e por isso mesmo acabei pensando e procurando informações sobre o aborto. Nenhuma informação era aprazível e para faze-lo no Hospital teria de ter uma boa justificação. Claro, o abuso sexual seria válido mas o tempo já havia passado. Enfim, entre o SIM e o NÃO ao aborto, decidi que NÃO! A situação era delicada mas não iria fazer o aborto. Com a ajuda da senhora do Gabinete falei com a minha família. Ficaram chocados e os meus pais obrigaram-me a fazer o aborto. Relutei, expliquei que não iria faze-lo apesar de que o pai seria incógnito e mesmo apos o trauma pelo qual passei. Decidi dar a volta por cima. Aquela criança não tinha sido concebida com amor, mas não tinha culpa de estar a crescer dentro de mim. Era uma alma. E ainda que Deus não nos queira mal, por vezes ele acrescenta na nossa vida uma semente que possa fazer a diferença nas nossas experiências traumáticas. Fiz terapia, consultas com uma psicóloga que ate hoje me acompanha. Enfim, decidi que iria fazer da minha traumática experiência uma história de vida diferente e talvez exemplar. Os meus pais acabaram aceitando e apoiaram-me na decisão. O meu filho nasceu e dei o nome do meu pai pois ele já me havia dito que assim seria. Fiz a minha família feliz. Trabalho agora no Gabinete que me atendeu aquando da situação pela qual passei, não conto a minha história na primeira pessoa para as outras mulheres, conto-a como se de outra pessoa se tratasse. E já ouvi histórias muito mais traumáticas que a minha. Meu filho estuda e vai bem na escola. O jovem que me agrediu sexualmente foi preso e condenado por assalto a um posto de gasolina. Li no jornal. Enfim, olho para o meu filho como o meu salvador. O anjo que Deus colocou na minha vida e não permitiu que eu o tirasse pois ele só me traz alegrias. Não tenho namorado e não pretendo casar tão já. Um dia talvez, mas não é prioridade. Meu filho perguntou pelo pai um dia e eu simplesmente respondi: Ele não pode estar aqui porque leva uma vida diferente e vive muito longe. Só ainda não decidi se conto a verdade ao meu filho um dia. Mas creio que o vou contar. Ele precisa de saber que apesar de tudo eu mantive-o no meu ventre com amor e esse amor cresceu quando ele nasceu. Ele é filho do amor que ele próprio gerou ao ser gerado dentro de mim. Complicado? Mas sou feliz, dei a volta por cima e cá estou.
– Melissa, ficamos felizes pela decisão que tomaste pois o aborto não é aconselhável mesmo porque é bastante arriscado. Há quem numa situação semelhante à tua poderia tê-lo feito, mas foste sensata e conseguiste perceber que Deus nunca permitiria que um ser humano interrompesse a vida de outro mais ainda por este não ser culpado de tudo o que aconteceu. És corajosa e brava. Vamos agora ouvir a história da Marta?
No próximo capítulo: Uma história diferente com um fim surpreendente. A história da Marta.