A falta de material didáctico e de mentorias em engenharias e energias renováveis em Angola dificulta a evolução dos estudantes e a inserção no mercado de trabalho. Alda Manuel detectou a lacuna e actuou. No ano passado, a engenheira lançou a Tchossi Academic, plataforma educativa que reúne mais de 450 utilizadores em todo o mundo. Alda Manuel é uma das 10 angolanas de excepção que a Diageo e a Refriango homenagearam na semana passada no Gordon’s Pink Day.
Por: Platinaline
O entusiasmo de Alda Manuel quando fala do seu percurso como engenheira contagia. Aos 28 anos, é uma das angolanas mais destacadas na área da engenharia e das energias renováveis. Com um sorriso constante e palavras enérgicas, a fundadora da plataforma educativa Tchossi Academic assume que “é hora de acabar com o paradigma de que há profissões para homens e outras para mulheres”.
Nasceu no Huambo, mas cresceu e viveu em Luanda. Desde sempre lhe “fez confusão” a imposição de que “as meninas brincam com bonecas e os meninos com carros”. “No nosso país reforçam esta mensagem uma e outra vez. Depois da boneca vêm as panelas e depois ainda a bebé da boneca. Direccionam-nos desde pequenas para um caminho de maternidade, de vida doméstica e esperam que escolhamos mais tarde uma profissão ‘menos braçal’ e ‘mais feminina’, o que quer que isso signifique”, comenta.
Sempre olhou de lado para “esta mentalidade” e assumiu sem medo a sua “individualidade”, firme na certeza de que “o que conta é o sonho, o empenho e dedicação, e não os papéis de género que nos enclausuram”.
Ainda jovem, decidiu então estudar Electrónica e Telecomunicações no antigo Instituto Médio Industrial de Luanda. “Durante a formação no Makarenko, tanto eu como os meus colegas ‘vimos fumo’! O problema não eram os professores, mas a falta de materiais académicos.” Sem saber, começava já a germinar a semente que daria origem à Tchossi Academic, a plataforma que lançou em 2022 e que reúne uma vasta bibliografia digital em engenharia e energias renováveis.
Anos mais tarde, já como estudante de Engenharia Eléctrica e Electrónica em Newcastle, Reino Unido, percebeu o enorme fosso no acesso a recursos académicos que separava Angola de outros países. “Fui para Inglaterra como bolsista e quando regressei a Luanda quis criar algo que justificasse o investimento que o país fez em mim. Foi assim que surgiu a ideia de criar uma iniciativa como a Tchossi Academic”, conta.
Acessível em www.tchossiacademic.com, o projecto foi registado em 2020 na incubadora americana “Founder Institute” (nesse mesmo ano a plataforma ganhou o prémio Sinergy a nível do continente africano) e arrancou formalmente no segundo semestre do ano passado. Até hoje, já formou 130 estudantes, organizou 10 sessões de mentoria e 5 workshops virtuais. O número de utilizadores cresce a olhos vistos, são já quase 500, com Angola à cabeça da lista. Seguem-se os Estados Unidos, Portugal, Moçambique, China, França e Holanda.
Para além da vasta bibliografia, dos workshops, seminários, conferências e visitas de campo, a Tchossi Academic oferece mentorias para os estudantes de engenharias e energias renováveis. “Os nossos programas concentram-se em pôr em prática todo o conhecimento teórico-científico que os alunos adquirem nas universidades. No final destas formações, já conhecem a dinâmica das empresas do sector, estão preparados para começar a trabalhar”, assegura.
Talento e compromisso
O trabalho de Alda Manuel à frente da Tchossi Academic é “fruto de toda a experiência profissional, académica e associativa” que foi acumulando, e que se foca agora na área das energias renováveis. A par do projecto educativo, é Gestora de Projectos de Energias Renováveis numa empresa de engenharia angolana. É também membro da Associação Angolana de Energias Renováveis e co-fundadora da EcoAngola, organização que promove a sustentabilidade ambiental, onde é ainda coordenadora da campanha de, claro está, energias renováveis.
O conhecimento técnico e activismo intenso da engenheira de sorriso franco e força de vontade de ferro despertou a atenção de múltiplas instituições a nível mundial. Em 2021, a CPLP e a Neoafrican Academy reconheceram-na como um dos 100 Jovens mais Influentes da Lusofonia. Foi também embaixadora de Angola no Next Einstein Forum. No ano passado, participou no programa Mandela Washington Fellowship, a convite do governo dos Estados Unidos. E em Janeiro deste ano representou Angola na 5ª Conferência das Nações Unidas sobre os Países Menos Desenvolvidos.
Há poucos dias, foi a vez de Angola reconhecer todo o esforço e dedicação de Alda Manuel. Foi a 3 de Março, durante o Gordon’s Pink Day, evento que a Diageo, a maior empresa de destilados do mundo, organiza há quatro anos no nosso país. Em conjunto com a Refriango, com a qual tem uma parceria para produção e distribuição de bebidas em Angola, a Diageo incluiu Alda Manuel na lista das dez mulheres angolanas extraordinárias que homenageou este ano.
Surpreendida, mas “orgulhosa” pela distinção, a engenheira assume que “este reconhecimento transmite uma sensação fantástica de estar no caminho certo” e que “é importantíssimo para dar visibilidade ao Tchossi Academic”. “Na verdade”, sublinha, “sinto que esta homenagem é para todas as angolanas e reforça a minha determinação em influenciar as meninas e adolescentes para que sigam os seus sonhos e vocação”. “É preciso reafirmar que nós, mulheres, não devemos ceder a pressões sociais quando o que está em jogo é o nosso futuro, e muito menos auto-sabotar-nos. Não podemos limitar a nossa essência feminina em contextos maioritariamente masculinos, pensando que esse é o caminho para poder sobressair e ser aceite. Somos mulheres, não um produto moldável. A autoconsciência do que somos é o nosso grande poder.”