“Decoded” chegou no último dia 5 ao terceiro lugar da lista de livros de não-ficção mais vendidos do New York Times
Exibido na parede do apartamento do rapper Jay-Z em Manhattan, o quadro “Charles The First”, de Jean-Michel Basquiat, tem uma função mais importante que indicar a volumosa riqueza do morador. Ele serve como advertência ao compositor norte-americano – o sucesso para os negros talentosos nos Estados Unidos é uma armadilha.
Basquiat criou a obra de arte inspirado em Charlie Parker, jazzista que, feito ele, morreu precocemente, em decorrência de overdose de heroína. Ele colocou na pintura uma inscrição segundo a qual a maioria dos reis tem a cabeça decepada. Quando se torna notável, um indivíduo se transforma em alvo de caça – querem a todo custo roubar-lhe a coroa. Sempre que pode, Jay-Z olha para o quadro, vê o próprio reino ameaçado e se contenta por contrariar a regra. Ele garante ser possível ter fama sem perder a alma.
“Charles The First” revela a personalidade de Shawn Corey Carter, de 41 anos, nome verdadeiro de Jay-Z, um dos negros mais influentes dos Estados Unidos. Segundo a Billboard, ele é o artista solo com mais álbuns número um da história, tendo ultrapassado Elvis Presley. Ele mesmo se chama de “o novo (Frank) Sinatra” no rap “Empire State of Mind”, que ameaça desbancar “New York New York” como o hino da Big Apple.
Empresário bem-sucedido, dono de fortuna de mais de US$ 450 milhões, segundo a Forbes, e casado com a cantora Beyoncé, ele não esquece o passado pobre e violento em Marcy, conjunto habitacional do Brooklyn, em Nova York. “A vida no Brooklyn está queimada na minha pele como uma marca”, ele escreve em “Decoded” (Spiegel & Grau, 320 páginas., US$ 35), livro recém-lançado que eleva o rapper à condição de poeta. “Decoded” chegou no último dia 5 ao terceiro lugar da lista de livros de não-ficção mais vendidos do New York Times.
Em “Decoded”, Jay-Z comentou 36 de suas composições, quatro das quais à espera de gravação. Ele emprega no livro a gíria das ruas e o ebonics, inglês falado pelos negros do Norte dos EUA. De saída, conta como se apaixonou pelo gênero musical quando, aos 9 anos, presenciou outra criança rimando no conjunto habitacional onde morava.
O garoto se chamava Slate e, em transe, cantava para uma roda de adultos. Durante 30 minutos ininterruptos, Slate disparou centenas de versos. Jay-Z saiu impactado. Nas semanas seguintes, preencheu com rimas o espaço em branco dos cadernos escolares. E criou o hábito de anotar, num pedaço de papel ou num canto da memória, todo verso nascido inesperadamente.
A preocupação naquela fase era “descrever o conteúdo da mente de uma criança”. Inventado por imigrantes caribenhos no Sul do Bronx, o hip hop engatinhava no início dos anos 1980. Segundo Jay-Z, desde o berço o rap descreveu a realidade pobre dos negros. Mas para evoluir lhe faltava conteúdo próprio. Não bastava mencionar o que comiam ou viam, era preciso expressar o que havia na alma. Jay-Z não podia ser poeta sem primeiro perder a inocência. A caminho da adolescência, ele foi abandonado pelo pai. Superou o trauma 20 anos depois, ao perdoar a ausência em um encontro meses antes da morte do progenitor.