“… Virei o cubo e vi o Sol. Sol GRANDE, bonito, amigo quente. Que eu conhecia tão bem por o ver todos os dias. Que eu conhecia tão bem porque era ele que aquecia o meu corpo, quando me estirava preguiçosa na areia dura, grossa e meiga da praia… Que eu conhecia tão bem. Mas afinal, eu não sabia que o Sol já tinha vivido com a terra na mesma casa. É verdade: há muitos, muitos anos, tantos que ninguém mais se lembra, o Sol e a Terra viviam juntos na mesma casa. Casa que era uma nuvem de gases. Devia ser bem lindo uma casa-nuvem-gás… Mas devido à tal força de gravidade que um cientista descobriu na nossa época mas que já existia no passado, a casa, ou seja, a nuvem contraiu-se… Contraiu-se tanto, que provocou uma série de fenómenos, fenómenos tais, que o hidrogénio, aquele corpo simples e gasoso que arde e existe na água, por exemplo, o hidrogénio que existia na casa do Sol e da Terra transformou-se em Hélio. Vocês sabem, aquele corpo muito simples, também gasoso que eu sei que se põe nos balões para eles subirem bem alto”.
Excerto da pág. 16, in «O Cubo Amarelo», UEA, 1991.
Maria Gabriela Antunes Cardoso da Silva Antunes, nasceu no planalto central, Huambo, a 8 de Julho de 1937. Em Lisboa fez o curso superior de Filologia Germânica, na Faculdade de Letras, em Dezembro de 1961, ano da grande efervescência nacionalista. Integrou o grupo da Casa dos Estudantes do Império. Em Angola, na sua terra natal, deu aulas de língua inglesa na Escola Sarmento Rodrigues. Em Luanda, fez a pós graduação (1973/74) em pedagogia e didáctica da língua Inglesa.
Foi Directora da Escola Vicente Ferreira/ 1º de Maio, onde leccionou português e Inglês e, paralelamente, também exerceu actividades docentes no Instituto Comercial de Luanda e num outro Colégio Vasco da Gama, sendo que para além das línguas já referenciadas leccionou também o alemão. Graças aos seus dotes intelectuais, em 7 de Março de 1983, é nomeada Directora da Biblioteca Nacional de Angola, e, simultaneamente, coordena o curso médio de jornalismo, cargo que acumula com a docência da cadeira de “Arte e Literatura Angolana” e Português.
Gabriela Antunes escolheu como opção a literatura infantil “porque não havia nenhum livro para elas que lhes falasse das suas coisas, das suas terras, belezas e gentes”. Sobre o que se deve escrever para crianças, na sua comunicação lida no Seminário Sobre Literatura Angolana, evento que decorreu de 21 a 25 de Junho de 1999, G.A. apresenta os seus conceitos sobre o que se deve escrever para crianças, começando por referir que qualquer “tema pode ser dado a uma criança: homens e bichos falando em conjunto, flores que dançam e se comportam como crianças, viagens fantásticas, sonhos, e o mar, a lua, a vida, a morte, o nosso mundo, o mundo dos outros… tudo pode ser dado a uma criança, desde que escrito numa linguagem simples, ilustrada e bem adaptada à idade da criança que lê e à sua realidade. O desenvolvimento do tema deve ter em conta a faixa etária e os conhecimentos do pequeno leitor, se quisermos que ele sinta prazer com o que lê (ou lhe contam) e possa interessar-se pelo livro”
“E numa tarde, o cágado que regressava de férias em casa do primo, viu que havia uma total mudança na sua mata. E foi ter com um grupo de mais velhos que falavam debaixo de uma árvore. Perguntou-lhes o que se passava. E ficou a saber tudo…tudo o que acontecera. E o cágado pensou. Pensou e depois disse-lhes: “Meus amigos, vocês já mostraram que não querem mais este rei. Já o castigaram. Já mostraram, também, que podem e sabem governar a mata. Todos em conjunto! Mas se deixarmos o leão morrer nestas condições, seremos tão cruéis como ele. Vamos dar-lhe água, comida e tratar dele. Depois mandámo-lo para um local onde ele ainda possa ser útil… Mas não devemos deixá-lo morrer assim. Isso não!… E todos concordaram com as palavras sábias do velho cágado que já conhecera três reis-Kibala, o rei-leão, o pai deste rei… e o avô deste rei…”.
Excerto in “Kibala o Rei Leão”, INALD, 1982.
Já na figura de ensaísta, Gabriela Antunes é peremptória ao afirmar que Manuel Rui foi o “primeiro a escrever e publicar para as crianças numa Angola independente.”, e como prova apresenta o livro «A Caixa», um conto que traz à luz os conflitos internos: “…Kito, menino fugido à guerra da Kibala, onde o pai morrera e que se refugia num bairro suburbano de Luanda com a mãe, onde recebe de outras crianças as primeiras lições de solidariedade, amizade, amor e de política, até., mas já numa visão mais crítica a professora interroga-se se “uma linguagem popular com desvios a tudo o que é boa gramática portuguesa e que leva muitos a perguntar se devem escrever frases como «Mas o Kito, no tempo dele de quatro anos de idade uma hora é já tempo de fazer saudade…» em obras para crianças”, e não deixa de perguntar se a “criança angolana fala assim?”.
E sobre o seu próprio labor literário, com grande acento egocêntrico, a professora não deixou de falar sobre o seu espaço temático: “O desejo de um mundo melhor para todos, a vida em comunidade, o amor e respeito pelos outros, pela natureza e pelo livro”, são os destaques na obra da professora.
Com angústia, a Gaby, como é chamada no circulo mais restrito dos amigos, conclui que “os pais não compram livros, as crianças não lêem e poucos, se nenhuns, são os professores que levam um livro para a escola, para com ele ajudarem a criança a criar hábitos de leitura”.
Gabriela Antunes é docente universitária, professora do Instituto Superior P. De Angola (ISPRA), assessora do Ministério da Educação e Cultura e nos actuais órgãos de direcção da UEA (Nov/2001-Nov/2003) desempenha a função de Secretária das Relações Exteriores.
A Prof. Gabriela Antunes é poliglota, domina sete línguas diferentes, faz traduções simultâneas em conferências internacionais e de brochuras diversas.
GA, publicou em livro os contos “A Águia, a Rola, as Galinhas e os 50 Lweis” (1982), “Luhuna o Menino que Não Conhecia Flor-viva” (1983), “Kibala o rei Leão” (1983), “A Abelha e o Passáro” (1982), “O Castigo do Dragão Glutão” (1983), “O Jardim do Quim” conto incluído na colectânea intitulada Lutchila e Outras estórias (1985), “O João e o Cão” e por último o livro “Estórias Velhas Roupa Nova” (1988) e diversos contos infantis publicados nos jornais.
A ensaísta Maria de Fátima Medeiros, especializada em literaturas africanas de expressão portuguesa, sobre a sua obra «Luhuna o menino que não conhecia flor-viva» (folheto de apenas 15 pp.) tece as seguintes considerações críticas: “Mancha gráfica convidativa; texto leve, entre a voz do narrador e as falas de Luhuna, conta a estória de um menino que abandona a casa e a família para procurar algo – uma flor – que não conhecia, mas de que já tinha ouvido falar, nos livros. Parte assim em busca de um ideal, desse sonho que está sempre “longe, muito longe””, e mais longe vai na caracterização da escrita de Gabriela Antunes quando garante que o texto foi vestido “com roupagem simples de uma narrativa leve vamos descobrir uma preocupação da autora constantemente revelada: a mensagem social sempre presente, para lá de qualquer efabulação. Entre o saborear das palavras encontramos permanentemente a pedagoga, nesse querer abrir os corações dos mais novos para os ideais de uma sociedade em construção”,Maria Medeiros sobre a peculiaridade da sua narrativa garante que é “feita de frases curtas, repetidas, dando ao conjunto um ritmo cadenciado, quase marcha, como o caminhar de Luhuna através do deserto. Um dos recursos estilísticos frequentemente explorados por Gabriela Antunes é o paralelismo”.
No texto curto «A Águia, a Rola, as galinhas e os 50 Lwei», primeiro texto narrativo da escritora membro da UEA, a ensaísta destaca a “relação do narrador/autor com o leitor. Gabriela interpela-o, fala com ele, ouve-lhe as perguntas, introdu-lo quase como outra personagem, atitude que vai repetir e alargar em O castigo do Dragão Glutão”, e sobre a linguagem a “autora mete-nos no texto, torna-nos actuantes, inquiridores da narrativa, partindo o leitor-personagem para desenvolver a sua-nossa estória… De novo e com maior apuramento estilístico damos conta do paralelismo permanente, na repetição cadenciada e em ritmo constante da chegada do dragão à aldeia, noite após noite… Recorrendo a uma linguagem bastante sensorial, a narradora dá-nos conta das noites calmas de luar, do calor e do frio que todos sentiram e do medo”
Maria Medeiros, em guisa de conclusão, remata que “Gabriela Antunes dominava o português com mestria. Ao contrário de alguns escritores do seu país – como Luandino ou Manuel Rui – não o angolanizou. A norma europeia prevalece, apesar de, aqui e além, recorrer a algumas expressões regionais (mujimbos, fugi, bué), destacando-se o vocabulário onomástico”.