De Mária para Mary”
Texto: Mila Stéphanie Malavoloneke
Fonte: @jovensdabanda
Na última semana os grupos de WhatsApp tiveram acesso a uma imagem onde o kudurista Madruga Yoyo aparece com o seu tom de pele muito mais clareado. Na imagem é notável que o jovem possivelmente passou por um processo artificial de clareamento de pele. Dias depois, ainda na ressaca da mudança de cor do kudurista, reaparece nas redes sociais a kudurista Própria Lixa que pelos vistos também passou pelo mesmo processo. Assim, mais uma vez as redes sociais trouxeram à tona uma prática polémica muito comum nos países da África Ocidental e que pelos vistos, já chegou à Angola. O branqueamento da pele fruto do complexo de inferioridade do negro.
O histórico do processo de clareamento de pele remonta a bem antes dos anos 1500. Nesta altura, porque tomar banho era uma prática muito rara, os privilegiados usavam o pó branco para camuflar as suas peles sujas. Já as massas trabalhadoras que tinham de labutar sob o sol, além da pele suja resultado da falta de banho, acabavam com a pele também bronzeada. Consequentemente a sociedade daquela época equiparou a pele branca à limpeza, riqueza e estatuto social.
Depois surgiu o colonialismo que inseriu nas comunidades não brancas os seus princípios, hábitos e costumes. Segundo o activista angolano, historiador e defensor da cultura negra, Isidro Fortunato, durante a colonização foram aplicadas técnicas de indução comportamental com o intuito de controlar melhor os escravos. Diz o activista, que gozavam de melhores condições os escravos que se dedicassem a aprender e praticar os costumes do opressor. “Estes eram tidos como assimilados e ganhavam estatuto e privilégios coagindo mais e mais negros a adoptarem a branquitude nas suas estruturas psíquicas e comportamentais”.Segundo o historiador, as políticas de miscigenação também tiveram o seu impacto neste processo.Quando os brancos começaram a se envolver sexualmente com escravas nas colónias nasciam filhos mestiços, que automaticamente passaram a ter mais privilégios na sociedade e mais facilidades em relação aos negros. Foi assim implantada a mentalidade de que ter filhos mestiços era uma forma de prosperar e melhorar a raça.
De volta à actualidade e a polémica em questão, apesar da reacção da sociedade angolana perante os novos mulatos dar a entender que esta prática é algo novo, repudiável e inusitado, branquear a pele é muito mais comum do que se imagina. Aquando da construção do artigo fez-se uma rápida pesquisa na internet e encontramos várias páginas angolanas que vendem o infame produto Whitenicious, da cantora Nigeriana Dência, cujo o objectivo exclusivo é ajudar os negros insatisfeitos com a sua cor à transitar para a pigmentação mais branca. Cada pomada custa pelo menos $120.
Estas pomadas foram originalmente desenvolvidas para tirar manchas no rosto. A essência do produto é um componente chamado hidroquinona que age dentro das células que dão cor à pele e impede a produção dos pigmentos. É usado há décadas por médicos dermatologistas e pela indústria de cosméticos para tirar manchas causadas pela acné, queimaduras e pelo envelhecimento. Os produtos autorizados têm no máximo 2% de hidroquinona. Nestes cremes a concentração mínima é superior a 20%. Estudos feitos com ratos associam esta alta percentagem de concentração de hidroquinona ao câncer do sangue e da pele.
Mas para os nossos jovens branquear a pele vai além da vaidade, é um projecto ridículo de inclusão social. Branquear a pele parece ser apenas a última etapa de um processo de embranquecimento que há décadas tem sido implantado no nosso seio; ou não seríamos até hoje obrigados a odiar o nosso cabelo ao ponto de termos instituições de ensino a proibir a entrada de meninas com cabelo crespo por considerar desarrumado. O nosso país não seria um dos maiores consumidores do cabelo brasileiro. Não teríamos preconceito das nossas línguas maternas e a media não seria a principal aliada na proliferação da cultura ocidental, cultura esta, onde até hoje ver um negro na bancada do “Jornal Nacional” é bastante raro e quando aparece finalmente uma negra como “garota do tempo” a pobrezinha acaba com o seu trabalho menosprezado pelo numero de comentários raciais (#SomosTodosMaJu).
São por estas e por outras que o complexo de inferioridade do negro em Angola coloca todo e qualquer ser humano com a pele mais clara em vantagem social ou no mínimo psicológica. Dizer o contrario seria tampar o sol com a peneira pois não são de hoje as reclamações de que pessoas com a pele mais clara gozam de certos benefícios no nosso país quer na busca de emprego ou no acesso a certos locais de lazer.
Em torno das reacções, há quem diga que existe em parte um exagero por parte da população que deve preocupar-se com outras coisas. Realmente! Existe muito que merece a nossa atenção nesta Angola com uma crise financeira bastante sentida mas isso não torna este assunto racial menos importante. Se porventura varrermos para debaixo do tapete o facto de que os jovens angolanos estão a usar produtos para mudar a cor da pele, estaremos indirectamente a fazer apologia à política do auto ódio e destruição. Até porque é pouco provável que os novos mulatos se sintam menos motivados a continuar o processo de “clareamento” quando se condena o acto de embranquecimento e não as vantagens sociais que a cor da pele traz numa sociedade onde deveria ser a cultura do trabalho árduo a ditar o sucesso social ou financeiro dos seus cidadãos.
De igual forma, julgo que fazer passeatas ou correntes de apoio à figuras publicas que por livre e espontânea vontade zombaram com um mal bastante sério como o racismo, não vai ajudar em nada. As nossas celebridades precisam aprender a conviver com o facto de que os seus salários são pagos pelo público e cuspir na mão que os dá de comer não é e nunca será uma atitude inteligente. Dai a importância de saber reconhecer quando se errou e endereçar um pedido de desculpas aos lesados. Isso em nada denigre ou humilha a reputação de quem o faz, muito pelo contrário. Quem trabalha com a prestação de serviço público tem a obrigação de prestar contas ao povo. Como disse e bem o jornalista Márcio Cabral: é bíblico,“dar a Cesar o que é de Cesar”. Adaptação: “deixar a comédia para os humoristas”.