Assassina, assassina, vais pagar muito caro por ter morto o nosso filho”, foi com estas palavras que os familiares de Lopo Loureiro reagiram, em pleno tribunal, à sentença de 17 anos de prisão efectiva com que foi condenada a cidadão Nerika Loureiro, por ter assassinado o companheiro, no dia 1 de Abril de 2010.
Na leitura da sentença condenatória, os juízes foram surpreendidos por uma onda de contestação, desencadeada pelos familiares e amigos da vítima.
Além dos 17 anos de cárcere, o Tribunal Provincial de Luanda, onde o célebre caso Nerika foi julgado, decidiu também que a ré pagará 300 milhões e 500 mil Kwanzas de indemnização aos herdeiros e 70 mil Kwanzas de taxa de justiça.
A autora do homicídio foi ainda apontada como tendo incorrido no crime de desobediência, por se ter negado a responder às questões sobre a sua identificação pessoal.
Depois de o juiz dar por encerrada a audiência e se retirar da sala, os parentes de Lopo Loureiro e da acusada, decidiram resolver as suas desavenças partindo para a briga.
Grande alvoroço tomou conta da sala de audiências, nos momentos a seguir à leitura da sentença, um ambiente de resto previsível, tamanha a carga de emoção que rodeou sempre este julgamento.
Para evitar a nítida agressão que se adivinhava, a ré e seus familiares foram retirados da sala pelos agentes da Polícia Nacional encarregados de manter a ordem no local.
PERSISTENTES
Reunidos na parte exterior do Tribunal, os familiares de Lopo Loureiro exigiam a presença de um parente de Nerika Loureiro, a ré, que chegou a atingir com uma bofetada uma prima da vítima, ainda no interior da sala de audiências. A ideia era claramente lavar a honra, com uma resposta “dente por dente, olho por olho”, situação que as forças da ordem estiveram à altura de travar. A situação complicou-se de tal maneira que foi necessário recorrer a reforços da Brigada Auto da Unidade Operativa de Luanda e outra da Divisão da Ingombota.
As forças policiais chegaram a ensaiar uma manobra de diversão, simulando a retirada da condenada numa viatura dos serviços prisionais, escoltada por um jeep da Brigada Auto, mas não conseguiram.
No momento em que a viatura celular passava, a toda a velocidade, os familiares de Lopo investiram violentamente contra ela, aos gritos de “assassina, assassina…” “Ela não está naquele carro, estão a tentar enganar-nos, mas não sairemos daqui sem ela passar”, ouviase.
Maria Bravo de Oliveira, tia do malogrado, revelou a O PAÍS que vão requerer à justiça para que lhes sejam
entregue a tutela dos filhos do casal, uma incumbência dos avôs maternos, desde que a tragédia aconteceu, há um ano.
CAUSAS DA SENTENÇA
Fazendo fé no depoimento dos declarantes que foram ouvidos em tribunal, o juiz considerou que a ré terá praticado o crime só não ficando provado se foi premeditado.
“Contudo, é bem provável que a ré terá planejado o seu desígnio criminal com alguma antecedência.
Consequentemente, julgamos como procedente a acusação produzida contra ela, relativamente ao crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelo Código Penal, cuja moldura penal abstracta é de 20 a 24 anos
de prisão maior”, declarou o juíz.
O Tribunal julgou procedente e provado que existe crime de homicídio voluntário, previsto e punível pelo artigo 340 do mesmo Código Penal, cuja moldura penal é de 16 a 20 anos de prisão maior.
“A favor da ré foram dadas como atenuantes o bom comportamento, o facto de ser mãe de dois filhos menores, bem como a sua personalidade e as circunstâncias da acção”, frisou.
O juiz explicou que não se provou em julgamento o porquê da prática do crime, nem o que se passou nos momentos que o antecederam, porque ninguém o presenciou e nem se sabe ao certo em que circunstancias se produziu. Também não se provou nem a equipa de acusação se referiu que a ré teria formado o designo o desejo de matar a vítima 24 horas antes.
Apesar de a acusada se ter remetido ao silêncio e não ter confessado o crime em julgamento, o juíz considera a confissão feita pela ré durante a fase de instrução preparatória e por se harmonizar também com as restantes provas nos autos, nomeadamente o cadáver da vítima e o instrumento do crime.
“Não temos igualmente nenhuma dúvida em afirmar que ela agiu claramente com ânimos mecânicos, a despeito do relatório médico-legal a isso não se ter referido, aliás, em audiência de julgamento o referido médico legista afirmou que lhe parecia que a acusada agiu com esta intenção”, explicou o juiz ao esclarecer sobre a sanidade mental da homicida.
O juiz-presidente esclareceu que ela teve consciência que o seu acto era ilícito, por isso procurou exilar-se da acção da justiça, visto que agiu com a intenção de matar ao efectuar os golpes de forma bastante intensa.Não se provou como despiu o pijama da vítima nem com que propósito o fez.
Os advogados de defesa e de acusação, Sérgio Raimundo e Paula Godinho , respectivamente, interpuseram recurso contra a sentença.
Entretanto, ambos optaram por não prestar qualquer declaração à imprensa enquanto o processo estiver em curso.
“Não posso prestar declarações porque não é ético nem deontologicamente correcto comentar a decisão do juiz”, justificou a sua posição o advogado da condenada. Ainda assim, não se coibiu de referir que “por não estar de acordo com ela, hei-de esgrimir os meus últimos argumentos no Tribunal Supremo. Nós estamos aqui para lutar até às últimas consequências, senão já D.R.
NUNO SANTOS A atitude dela depois de praticar o crime, em querer eximir-se da acção da justiça, foi considerada pelo jurista como relevante do ponto de vista jurídico penal, tendo relevância e valor agravativo porque se descortina que não se arrependeu do que fez.
“Não se tendo provado a causa do crime contra o seu esposo e pai das suas filhas, não nos repugna em afirmar que ela deve ter agido num estado de exaltação que a privou parcialmente de discernimento e diminuiu o livre exercício da sua vontade. Porque acreditamos que só nestas circunstâncias seria capaz de perpetuar uma acção desta”, frisou.
Fonte:o Pais